terça-feira, 19 de abril de 2011

Tempo para ser criança

Preocupados em preparar nossos filhos para um futuro que a gente não pode prever como será, nos esquecemos de eles precisam ter tempo para viver o aqui e o agora. A infância não volta. Deixe seu filho aproveitar!

Acordar, tomar café, ir para a escola, voltar (“anda rápido que a mamãe não pode ficar parada em fila dupla!”), almoçar correndo, colocar a roupa do judô, entrar no carro às pressas de novo, ter aula, voltar (com o pai buzinando no trânsito), fazer lição, tomar banho, estudar inglês, jantar e, finalmente, cair duro na cama. Claro que a gente quer o melhor para os nossos filhos. Mas, preocupados em prepará-los para ser adultos supercompetentes no futuro, nos esquecemos de que nossos pequenos precisam de tempo para ser... crianças. E já.

“Com essa agenda de miniexecutivos, a sociedade contemporânea está desinventando a infância”, resume o psiquiatra e psicanalista José Outeiral, pai de Marcelo, Pedro, Felipe, Clarisse e Júlia. Mais e mais cedo as crianças estão assumindo responsabilidades dignas de adultos muito ocupados. E a vida dos pequenos não tem de ser dura, cheia de cobranças, porque esse momento da infância nunca mais vai voltar. A psicanalista Claudia Mascarenhas, mãe de Pedro, relembra o que a gente não devia esquecer nunca: “O primeiro direito das crianças é ter uma família. O segundo é ter infância”. Mas a gente, muitas vezes, se esquece disso e fica apressando o relógio.

Para a educadora Eunice Maria Soriano de Alencar, mãe de Leonardo, Alexandre, Ricardo e Rodrigo, professora emérita de educação da Universidade de Brasília, vive-se hoje a “psicologia do mais”. “As pessoas têm cada vez menos tempo para produzir mais e, por isso, as crianças têm que ler mais cedo, aprender mais cedo, competir mais cedo, pois seus pais querem que elas brilhem mais cedo”, diz. O resultado: pais estressados e crianças idem.

Carga pesada
Beatriz é mãe de dois meninos gêmeos de 6 anos, Felipe e Luiz. Na agenda, aulas de esportes, inglês, natação e artes. “Quero que eles tenham tudo o que eu não tive”, dizia a mãe. Com a carga horária tão puxada, Rodrigo começou a ficar bastante agressivo. Especialmente porque tinha todas as tardes ocupadas e não podia chamar amigos para brincar. Na sala de aula, brigava com todo mundo. Até que a orientadora pedagógica da escola chamou a mãe para conversar e sugeriu que reduzisse a carga de aulas extras a dois dias da semana. Contrariada, a mãe acabou concordando. “Não tive opção”, lamentou.

Mesmo que você não vá abrir mão de matricular seu filho em um ou dois cursos, lembre-se: nem todas as aulas do mundo vão desenvolver a criatividade dele mais do que brincar, brincar e brincar. Muito e sempre.

“A palavra brincar vem do latim vínculo. Quando alguém brinca, cria vínculos. Aparentemente, brincadeira é antônimo de seriedade, mas brincar é muito sério. Quem brinca começa a ser um cidadão diferente dos outros”, diz Outeiral. Para o educador Gian Calvi, pai de Gian Sebastian, Gisele, Rodrigo, Patrícia e Marcos Renato, fundador do Programa Crianças Criativas, a pluralidade das experiências que temos quando criança contribui para nos tornarmos adultos interessantes. “Os jovens, hoje, tendem a dominar apenas um tipo de ferramenta, mas poucos e raros têm uma visão holística (um entendimento integral das coisas)”, diz. Ou seja: até para ser o tal profissional de sucesso que você espera, seu filho precisa, primeiro, ser criança.

Cursos extracurriculares são ruins? Definitivamente, não. O problema não são os cursos, mas o número exagerado e a falta de prazer das crianças em cursá-los. “O que não pode é fugir do limite do razoável”, afirma Claudia Mascarenhas. Nada mais saudável do que matricular o seu filho em uma aula de esportes. Mas atenção. Não faça disso uma atividade que exigirá dele um esforço além do normal. “O problema é quando as crianças vão para as aulas de esportes aprender a competir, a ter garra, e não se admite perder, a lidar com a frustração”, afirma a psicanalista.

Arte do equilíbrio
As aulas de artes podem se tornar um momento especial para a criança, principalmente se houver espaço para criar e elaborar experiências. O mesmo vale para as aulas de inglês. Segundo a educadora Eunice Alencar, uma criança pequena assimila outra língua com muita facilidade. Mas ela chama a atenção para o caráter lúdico, de brincadeira, que a aula deve ter para não se tornar uma obrigação. E sugere que os pais se façam uma pergunta: “Como a criança reage quando vai para a aula de inglês? Ela gosta?”

Claudia Mascarenhas conta o caso de Maria, de 4 anos. Logo cedo, a mãe entrou no quarto fazendo uma brincadeira. “Hora de acordar que hoje temos in... in...” Ao que a menina respondeu: “Em casa, mamãe”. Era o dia da aula de inglês.

Ou seja, fique ligado nos sinais que seu filho dá a toda hora. Perceba se ele não está ficando muito cansado, mal-humorado. Esse mau humor também vale para as mães que passam o dia no trânsito buscando e levando filhos. Reflita se essa é a melhor opção. Muitas vezes os pais, em vez de ficarem na correria do dia-a-dia aguardando a saída dos filhos de uma aula para levar a outra, poderiam aproveitar mais o tempo para estar com suas crianças. Seja brincando, lendo, cozinhando...

O problema é que nós, pais e mães, muitas vezes acabamos sobrecarregando nossos filhos numa tentativa de superar nossas próprias frustrações por meio deles. O fato de passarmos muito tempo fora de casa também colabora. “A agenda excessiva tem o papel de aliviar a culpa que pais e mães sentem em deixar os filhos com outras pessoas. Por isso, encher a agenda das crianças é um jeito de encher o vazio que os pais sentem”, afirma Claudia Mascarenhas. E isso acaba atrapalhando o próprio relacionamento familiar. “A comunicação da família necessita de tempo, porque pressupõe o abraçar, o conversar e a troca de experiências comuns”, afirma Gian Calvi. E, entre uma aula e outra, fica bem difícil achar espaço para isso.

Isabel, de 6 anos, nunca teve problemas com seus estudos. Sempre muito dedicada às atividades da escola, começou a ficar irritada e não querer mais ir ao balé e às aulas de tênis. A mãe, Sílvia, não entendia o que estava acontecendo. As brigas se intensificaram. Sílvia cobrava de Isabel o fato de ela ter muito trabalho no leva-e-trás e o sacrifício que isso significava, já que trabalha fora e que, portanto, Isabel tinha que colaborar. E foi com a sempre surpreendente lógica infantil que Sílvia percebeu onde estava o problema. “É simples, mamãe, deixa eu ficar em casa. Você não se cansa no trânsito e eu fico feliz.” Simples assim. Entendeu?

Dê um tempo da TV
O que fazer quando os pais trabalham o dia inteiro e a opção aos milhões de cursos acaba sendo deixar as crianças em casa com os olhos pregados na televisão? O psicanalista José Outeiral sugere que se recorra a escolas de tempo integral. As crianças brasileiras ficam em média até 5 horas por dia em frente à TV, um tempo excessivo.

Se deixar o seu filho em casa for inevitável, procure estabelecer um limite e restringir os programas. Caso não exista a possibilidade de deixá-lo na escola mais horas, como sugere o psicanalista, oriente a babá ou quem fica com seu filho a proporcionar atividades que estimulem a criatividade, como pintura ou colagem. “O brinquedo fabricado e não comprado é uma ótima opção”, diz Gian Calvi. Brincar com água, ir a lugares onde a criança possa correr, pular e brincar, fazer atividades de artes ou deixá-la se entreter com seus brinquedos pode satisfazê-la. “Muitas vezes, mesmo que o filho esteja com um amigo brincando em casa, os pais se sentem culpados porque estão trabalhando e não percebem que as crianças estão tranqüilas e felizes”, afirma Claudia Mascarenhas.

Os benefícios do tédio
O alerta contra o exagero vem justamente da pátria da competição. Novos estudos de pesquisadores americanos mostram que, quanto mais você fragmentar o dia das crianças com obrigações, menores são as chances de ela fazer descobertas. “Se queremos que as nossas crianças sejam criativas, deixá-las entediadas pode ser um grande presente”, afirma Kathy Hirsh-Pasek, professora de psicologia da Temple University da Filadélfia. “O tédio propicia que a criança ocupe o próprio tempo com criatividade e explorações”, explica. “E ajuda a criança a descobrir que os problemas não têm resolução instantânea.”

Pesquisas mostram que uma estrutura excessiva e a interferência contínua dos adultos pode cortar o espírito inventivo das crianças pela raiz. Ela cita um estudo feito com 120 crianças da pré-escola até o jardim da infância. O primeiro grupo de crianças recebia uma orientação pedagógica e o segundo tinha tempo livre para brincar. Ao ingressar no jardim da infância, o segundo grupo era mais criativo e menos ansioso. Embora o primeiro grupo tenha aprendido letras e numerais antes, acabaram perdendo a vantagem quando chegaram ao ensino fundamental.

Outros estudos similares mostraram que, mesmo as pressões mais sutis, como limite de hora e prêmios, podem apagar a inclinação das crianças a pensar criativamente. O psicanalista Leopold Nosek, membro da Associação Internacional de Psicanálise, afirma: “O essencial não é o desempenho. O desempenho surgirá de ficar à toa. Uma criança está sempre pesquisando”. E nada mais rico do que o tempo que ela tem para olhar uma formiga, desenhar, fazer experimentações, ter idéias mirabolantes. Deixar as crianças com os seus próprios devaneios pode ajudá-las a descobrir interesses em que talvez elas nunca tropeçassem de outra maneira. Afinal, as grandes inovações vieram de pessoas sonhadoras.

Mas o que fazemos quando ouvimos aquele “paiê, não tem nada pra fazer...”? A primeira reação é arranjar alguma atividade. Porém, muitas vezes é somente entediada que a criança se sente motivada a ser criativa. Se você deixar as coisas por conta das crianças, fique certo, as coisas acontecerão.

Para organizar a agenda dele

1. Converse com seu filho para saber a atividade que ele gostaria de fazer.

2. Identifique o que você considera necessário e o que pode esperar.

3. Analise o propósito do curso. Uma aula de esportes é importante para o desenvolvimento motor da criança, a socialização e ajuda a lidar com as frustrações. Mas, na hora da escolha, preste atenção se não há um estímulo exagerado à competitividade.

4. Fique atento ao horário sobrecarregado para não atrapalhar o rendimento na escola. Evite que seu filho fique muito cansado. A agenda lotada afeta o aproveitamento, a alimentação, o sono e o relacionamento da família, especialmente no final do semestre.

5. Combine com ele a agenda e procure chegar a um acordo para que fique feliz. A rotina ficará mais fácil e prazerosa para toda a família.

6. Garanta espaço para lazer na agenda de seu filho. Ter tempo livre para se relacionar com os amigos ou simplesmente sem nenhuma obrigação é fundamental.

***Em vez de matricular seu filho em mais um curso...

...abasteça sua casa com material de artes. Papéis variados, giz de cera, aquarela, lápis de cor, canetas coloridas, revistas velhas, cola, tesoura e massinha. Se você tem medo da sujeira, estabeleça um espaço para as atividades.


...opte por brinquedos criativos. Brinquedos que tenham apenas uma função podem limitar a imaginação. Priorize os que possibilitem várias funções, como blocos, fantoches e bonecos.

...aproveite a sucata de forma divertida. Procure objetos que não são mais usados e aproveite os descartáveis, como uma caixa velha, um rolo de papel toalha, uma lata de Nescau. A criança terá total liberdade para criar o que quiser.

...limite o tempo de televisão. As crianças brasileiras assistem até a cinco horas diárias de TV. Controle o exagero.

...leia, leia, leia. Além de estimular a criatividade, os livros têm o papel de enriquecer a linguagem. Mesmo que ainda não leiam, as figuras ativam a imaginação. Leia e conte histórias.

...brinque com água. Basta uma bacia e alguns copinhos. Lavar o quintal, deixá-la brincando na banheira ou dar um balde cheio de água irá alegrar seu filho.

...fique ao ar livre. Frequente parques. As crianças precisam correr. O desenvolvimento motor se dá pela atividade física. Brincar com areia também é importante. Não se importe com a sujeira. O ganho emocional do seu filho valerá a pena.

Fonte: Revista Pais & Filhos

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